Marketing e Branding Territorial


Sendo o marketing territorial utilizado ao serviço da concepção, gestão e promoção dos lugares, com o objectivo de aumentar a atractividade junto de públicos internos e externos, as estratégias utilizadas pelos lugares para posicionar e comunicar os seus atributos podem apresentar-se como um instrumento precioso ao serviço da estratégia territorial.

Neste contexto, a imagem, a comunicação e a marca constitui-se como elementos nucleares. Sob esta perspectiva demonstram-se as especificidades do processo de construção da imagem e marca territorial (contra a generalidade dos conceitos e processos, não absolutamente diferenciados quando aplicados a produtos, serviços, instituições ou empresas), e argumenta-se acerca da sua relação sinergética com a atractividade e competitividade dos lugares.

É hoje em dia objecto de exploração a questão sobre como pode a cidade, enquanto território, ser vista como um objecto de marketing e dessa forma falar-se de marcas territoriais e de marketing territorial.

Os elementos do marketing territorial

A identidade

Actualmente, a criação de Identidade (visual, conceptual, emocional, social ou outras) é um processo em que muitas instituições apostam uma vez que é muito importante o modo como pretendem ser percepcionadas pelo público em geral.

É através da criação de uma identidade (institucional, corporativa, organizacional, de produto, de serviço, territorial) que se vão traduzir os valores associados, materializados através de vários elementos de comunicação tais como: a marca gráfica (logótipo), a organização visual, as cores e layout das peças gráficas (publicações, publicidades, embalagens, relatórios, espaços comerciais, catálogos, etc.), elementos verbais (slogans, tags, teasers, etc.), valores, posicionamentos e acções sociais, económicas, ecológicas, humanas, etc., bem como a linha de conteúdo da sua comunicações (internas e externas), o seu ambiente de trabalho o atendimento ao público/cliente, a diferenciação visual, conceptual e física dos serviços, produtos, etc.

A identidade é pois um conjunto vasto de elementos, idealmente sinergéticos, de criação de uma personalidade diferenciada e por isso mesmo identificável, do objecto ou de uma característica ou organização a que se aplica, mas também um elemento de memorização, de identificação, e de diferenciação em si mesma.

A identificação da marca pode por isso mesmo, se estrategicamente for conveniente, ser manipulada para ser ou não independente do objecto, produto, serviço ou organização a que se aplica. No caso de uma manipulação para a independência (muitas vezes não totalmente intencional e determinada) torna-a mais abrangente e genérica (casos de marcas que assumem o significado de uma classe inteira de produtos, de uma qualidade ou especificidade particular de um serviço, ou de uma classe de organizações, produtos ou serviços, sem perderem a associação específica). Estão nesse caso marcas como “Verde” para ecológico, “Gillete”, para lâminas de barbear ou outras bem conhecidas…

Enquanto a marca e a imagem visual (linha gráfica) identificam e distingue visual, física, emocional e até conceptualmente um produto, serviço ou organização, de qualquer outro, o conteúdo da comunicação e posicionamento (nas várias vertentes), traduz valores associados, cria ligações emocionais com o seu público, decisivas e cruciais quer na compra por impulso, quer na adesão a causas, na aceitação de valores, e principalmente na identificação do consumidor com o grupo, ou com uma imagem subjectiva, provocando escolhas não exclusiva e integralmente racionais.

A identidade, portanto, define quem a Instituição é, ou como a organização, produto ou serviço é apercebida pelo público. A imagem corporativa ou imagem de marca é uma representação mental, no imaginário colectivo, de um conjunto de características e valores que funcionam como estereótipo e determinam a conduta e opiniões sobre o objecto a que se aplica. O mesmo se passa com a marca de produto ou de serviço.

Também na sua aplicação a territórios (cidades, regiões, países, etc.) tal realidade é marcante, preponderante e fundamental. E a sua aplicação, que segue os princípios de aplicação a outras situações, pode ser de fatal e catastrófica a decisiva e preponderante, no êxito da sua aceitação ou rejeição pelo público a que se destina. Mas na prática o efeito é em tudo paralelo ao do marketing de produtos, serviços e organizações, mas com uma diferenciação fundamental imposta pelo objecto a que se aplica: o território.

A este propósito Philip Kotler, especialista americano, considerado o pai do Marketing, defende que o marketing deve conquistar a mente, o coração e o espírito dos consumidores. E esta frase resume bem o que se disse.

Os valores

Mais importante que imagens gráficas é o conjunto de valores assumidos, que caracterizam a imagem criada, elementos chave da comunicação.

A escolha, adesão, ou mesmo a simples aceitação pelo público, seja ela racional ou emocional, consciente ou inconsciente de uma instituição, produto ou serviço passa sempre por um processo de identificação do consumidor ou do público, com os valores que lhe estão associados, sejam estes valores imediatistas e objectivo (preço, eficácia, qualidade, proveito pelo valor, desconto, oferta adicional) sejam valores subjectivos (identificação com o grupo, status, causa, etc.) ou sejam ainda valores abstractos e indefinidos (suporte de causas sociais, associações ideológicas, associações estéticas, preocupações ecologistas e ambientais, ou outras incluindo as filosóficas, históricas, chauvinistas, racistas ou corporativas, sejas elas também conscientes ou inconscientes).

A criação de um sistema de valores associado a uma marca, produto, serviço ou organização constitui portanto um processo crucial na criação da imagem. As decisões podem conduzir a caminhos imediatistas e quase inconsequentes, ou a caminhos premeditados, elaborados, subtis, abrangentes quase subliminar.

Nas decisões de criação de valores associados, podem pesar inúmeros factores, todos eles diversos e muitos deles dignos de ponderação em muitos casos, desde os históricos (a tradição da marca, o prestigio do artesanal, o nacionalismo ou regionalismo, o hábito do público, etc…), os convencionais (concorrência pelo preço, pela qualidade, desenvolvimento tecnológico, eficácia, qualidade de serviço, a diferença face aos outros, etc.), os emocionais (prestigio, status social e económico, a exclusividade, o sentimento de grupo, a individualização e personalização), os objectivos (eficiência energética, ecologia, durabilidade real, o efeito na saúde, as características técnicas, sensoriais ou estéticas diferenciadoras) e tantas outras desde as religiosas, sociais, culturais, ideológicas, competitivas, etc. .

É o sistema de valores que se associam a uma imagem e marca que determinam a sua representação mental e conceptual  no seu público alvo.

Linha gráficas e logótipo de marketing territorial

Essa imagem passa pelo símbolo, um dos elementos base da identidade visual que pode integrar (ou não) o logótipo. Completamente abstracto e desprovido de significado, ou figurativo e representativo de conceitos caros à actividade da instituição ou à sua política, constitui frequentemente o elemento mais forte da identidade corporativa e concentra na sua simplicidade toda a força de uma identidade global complexa e de múltiplos significados.

O logótipo é assim, a forma particular como o nome da instituição ou coisa (produto, serviço, território, etc) é representado graficamente, pela simples escolha de uma fonte de texto ou desenho original de um lettering específico. Juntamente com o símbolo, constitui a logo-marca, no entanto, é frequentemente o único elemento e principal representação gráfica da mesma. “Dispensa palavras. Facilmente entendível, dificilmente explicável.” Constitui a representação simbólica mental que se imprime no público alvo, e condensa todos os valores e características do objecto a que se aplica.

Na sua associação a territórios, é de fundamental importância considerar quer os aspectos simbólicos e de representação, quer as meras consequências estéticas e emocionais no público alvo, quer ainda as questões de identificação daqueles que estão directamente envolvidos no território (como símbolo e materialização de uma identidade e da auto-imagem), quer principalmente na promoção dos valores, características e aspectos particulares do território a que se aplica, como objecto de comunicação, até porque pode também funcionar como elemento limitador, quando pela sua força impõe um imaginário diferente ou não abrangente de todos os objectivos de comunicação que lhe deram origem.

Mas uma comunicação eficaz sustenta-se em muito mais que a mera aposição de uma logo-marca, mesmo quando feita com toda a competência técnica, e mesmo quando ela, pelas suas qualidades intrínsecas, se revela como assumindo facilmente o papel de símbolo do um mais vasto sistema de valores e características diferenciadoras do objecto a que se aplica.

É que toda a comunicação assenta na sua representação gráfica, que lhe dá ou retira eficácia. Mas mais que isso, é principalmente na representação gráfica das ideias e valores subjacentes, servindo o objectivo comunicacional, que resulta a adesão ou rejeição emocional e subconsciente do público, a sua apreensão subjectiva e aceitação e, finalmente, a sua memorização inconsciente. A imagem gráfica deve pois servir propósitos comunicacionais, muito além das considerações estéticas ou tipográficas, os quais vão desde a mera eficácia comunicacional, a toda a panóplia de considerações de identificação visual, emocional, subjectiva, de manipulação das avaliações subconscientes geradas no público, no patrocínio da criação de imagens e representações mentais, etc.

E nesse sentido uma linha gráfica abrangente e extensiva, no marketing territorial, não é uma mera linha gráfica para impressão, mas sim algo muito mais abrangente, com consequências muito mais profundas, mais próxima do trabalho de criação comunicacional de publicidade, ou de uma definição abrangente de marketing , que de um mero trabalho técnico de grafismos.

Os outros elementos

Mas o marketing não se faz apenas da visão fraccionada de cada um destes elementos (valores, imagem, linha gráfica, marca, logomarca e comunicação). A criação de uma imagem para um lugar pode passar por inúmeros outros factores que devem ser cuidadosamente escolhidos numa visão estratégica integrada e perfeitamente definidos a nível de planeamento.

E esses factores vão desde a criação de eventos memorável, de marcas simbólicas decisivas que podem reforçar, inverter, subverter ou converter imagens pré-existentes na mente do público alvo a um sem numero de outros elementos e acções, que se enquadrem num plano estratégico e objectivo bem definido: vender o território. Já a questão do impacto e da efectividade do seu efeito, passa pela criatividade e qualidade da sua concepção e pela sua adequação aos objectivos.

Um exemplo flagrante é o de Barcelona, antes e depois dos Jogos Olimpicos: a sua imagem na mente do público foi definitivamente alterada e ficou indelévelmente marcada, tanto mais que as associações emocionais foram cuidadosamente escolhidas. E nesse sentido vejam-se as associações definitivas criadas pelo espectáculo de abertura (fogo, luz, acrobacia, futuro, tecnologia), ou associação automática da musica de Montserrat Caballé e de Fred Mercury…

Um evento ou sequência de eventos associados a um lugar/território é também um elemento fundamental de marketing, para o bom e para o mau, e quando estrategicamente pensado, pode ser o elemento decisivo. Certamente que é diferente o efeito (cada um à sua dimensão) da associação de um lugar a uma Feira do Fumeiro – os valores tradicionais, os prazeres da gastronomia, a tradição –  ou a uns Jogos Olímpicos. E também neste campo mais genérico, as decisões são estratégicas.

Ao nível da atracção, Philip Kotler preconiza a criação do que designa de “silver bullet”, isto é a construção de uma infra-estrutura ou a organização de um evento que seja marcante e “newsworthy” (motivo de conversa), referindo-se como exemplo ao Museu Guggenheim, em Bilbao.

 

Certo é que nem um único evento ou edifício é suficiente, principalmente se não for totalmente marcante e cuidadosamente enquadrado numa estratégia de comunicação quase cirúrgica, nem os eventos esgotam o arsenal de instrumentos adicionais à disposição do marketing territorial.

E a lista é infinita: campanhas publicitárias, sinalética na cidade, criação de uma mítica que condense ideias marco (Kansas City o berço dos Blues, Nova York, a cidade que não dorme, Rio de Janeiro a cidade do samba, etc.), edifícios e organizações urbanas especificas e pensadas para marcar a mente do público (BurjAlArab, no Dubai, Gughenheim, em Bilbau, Docklands em Londres) ou o aproveitamento de características pré-existentes ou melhoradas, edifícios, características históricas, territoriais, climatéricas ou outras (o conjunto monumental de Belém em Lisboa e a sua associação aos descobrimentos com o “Belém das Descobertas”, a Ribeira de Gaia e a associação á mítica do Vinho do Porto, a Torre dos Clérigos como emblema, as Aldeias Brancas do Alentejo e a sua associação à defesa da fronteira…).

 

Parafraseando Peter Drucker, Kotler afirma que o objectivo do marketing é tornar a venda desnecessária. Ou seja, cabe ao marketing orientar a criação da oferta e posicioná-la na mente dos consumidores que, uma vez convencidos, encarregar-se-ão de a vender a si próprios e “vendê-la” a outros potenciais consumidores.

Conclusões

A criação de uma linha de valores e de comunicação desses valores define, racional e emocionalmente, no público alvo, objectiva e subjectivamente, uma linha de apreciação, de adesão ou rejeição, de escala de valorização e memorização determinantes no reconhecimento do território e da sua identidade subjectiva, e bem assim na sua escolha ou rejeição. Na ultima consequência a definição de uma linha de valores, de uma linha comunicacional, e de uma linha gráfica, serve os objectivos últimos subjacentes à criação do próprio marketing territorial em causa.

A este propósito diz-se num estudo de elaboração do plano estratégico do município de Lagos:

“…o desenvolvimento territorial envolve um processo de reflexão estratégica, planificação, acção e comunicação, o marketing territorial é um instrumento indispensável para uma visão mais objectiva e focalizada que promova o desenvolvimento interno e a afirmação externa. No processo de desenvolvimento de um território são consideradas duas perspectivas, uma baseada na atracção e fixação de riqueza e outra na gestão de processos de comunicação e interrelacionamento dos actores locais, ou seja, na participação e envolvimento das pessoas e das entidades. Considerando a integração destas duas perspectivas, não são apenas as questões de infra-estruturação do território que são relevantes, importa igualmente apostar num processo de comunicação interna motivadora e informativa que leve ao envolvimento dos agentes locais. O programa de marketing territorial de Lagos permitirá desenvolver meios inovadores e atrair vontades individuais empreendedoras e/ou organizações capazes de acrescentar valor ao concelho, sendo o grande objectivo do PEL, assegurar a transição da cidade balnear do século XX para a cidade “tecnopolis” do século XXI.

Neste contexto, o marketing territorial do concelho não pode continuar a ser um simples marketing turístico. O território de Lagos deve ser promovido, no plano nacional e internacional, não apenas junto dos operadores turísticos mas, também, junto de outros operadores e instituições que podem trazer para o concelho novas actividades de alto valor acrescentado, homens de ciência, jovens empreendedores, trabalhadores qualificados, etc.”

Não é difícil, nem sequer para o leigo, entender que tais objectivos (ou outros de outros tipos, que possam ser associados a outros elementos territoriais) não se atingem apenas com logótipos, imagens gráficas ou abordagens desconjuntadas de comunicação, muito menos com ausência de uma estratégia de markekting, ou com acções desintegradas e pontuais, mas sim com definições claras e detalhadas de objectivos, criação de conjunto de valores associados,  definição estratégica e integrada da comunicação sobre estes princípios (objectivos e valores – criação da imagem), planeamento pormenorizado do processo de criação dessa imagem, incluindo todo o arsenal de instrumentos de marketing à disposição, design de comunicação e, finalmente, mas apenas por último, a sua materialização visual, consubstanciada numa linha de  imagem e comunicação gráfica, criação de logo-marcas, criação de eventos, etc. , ao serviço dessa estratégia cirúrgica de marketing e cuidadosamente planeada por especialista.

Todo o resto são abordagens inconsequentes e tantas vezes um mero esbanjar de meios e delapidar do património que é a imagem (seja ela qual for) adquirida ao longo de séculos na simbologia emocional e cognitiva colectiva e do público alvo. Não passa portanto do mero substituir de uma situação (presumivelmente má e inferior ao desejado), por uma outra, diferente, mas sem quaisquer resultados muito aquém do que seria presumível que a competência técnica e criativa poderia gerar… e uma nova situação sem resultados, e muitas vezes próxima do irrecuperável.

Referências
O Branding Territorial: Uma Abordagem Mercadológica à Cidade
Sofia Gaio e Luís Borges Gouveia, Universidade Fernando Pessoa in Revista A Obra Nasce
Orientações de marketing – Câmara Municipal de Lagos
Marketing Territorial Aplicado à alteração da Imagem do Bairro do Pica-Pau Amarelo
(Ana Lopes Mendes, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa)
O MARKETING TERRITORIAL APLICADO ÀS CIDADES MÉDIAS PORTUGUESAS: OS CASOS DE ÉVORA E PORTALEGRE
Alvaro Cidrais, Universidade de Lisboa, in Revista Bibliográfica de Geografia y Ciencias Sociales  – Universidad de Barcelona (Tese de Mestrado)
Marketing Territorial – Blog (Francês)

Casos de Estudo
Marketing territorial da Grande Área Metropolitana do Porto, Tiago Santos in 5ª Cidade
Lições de marketing territorial, Marisa Serrenho, in Mercadologia
Marketing Territorial (Baixo Alentejo) – Gabinete de Apoio ao Desenvolvimento do Baixo Alentejo
Planificacion Estrategica Municipal y Marketing Territorial: Eestudo de caso da Cidade de Vitoria, Espirito Santo – Brasil,  Adriano HANTEQUESTE in http://www.fceer.org/
http://www.slideshare.net/caldaswelcome/marketing-e-o-futuro-das-cidades-2 – apresentação,  Alvaro Cidrais

One thought on “Marketing e Branding Territorial

  1. GOSTEI MUITO …
    VALE CONHECIMENTO, E INSPIRAÇÃO
    SOU DESIGNER GRAFICO E DIGITAL
    CULMINOU COM ESTUDOS FETTOS NO LIVRO
    Design e territorio : valorização de identidades e produtos locais

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