New-media num museu? – Parte III


Para quem nasceu com internet em casa, quem usa um portátil diáriamente, com net de banda larga, tem o google permanentemente acessivel, cria albuns de fotografias e de recordações no Facebook, e no Flicker, regista notas em blogs, quem usa um iPhone, passa o dia georeferenciado, ouve musica num mp4, e já quase não sabe o que é um CD, chegar a um museu, tal como os temos em Portugal, entra em estado de choque imediato: é quase  como entrar repentinamente num mundo surrealista e confuso, de ausencia total de informação, e de referências, de comunicação e de processos conhecidos.

Num mundo de meta informação, tudo contém ligações e referências para algo, que o contextualiza e completa. A meta-informação está acessivel e contida em cada objecto. Para uma mente “google” é impensável um local onde existe uma peça, sobre a qual não se pode clicar numa ligação ou ir à caixa de pesquisa e, daí, entender para que serve, de onde vem e o que significa, e depois explorar as ligações e ir parar a outras peças, fisicas ou virtuais, ideias e conceitos, relacionados ou já apontando novas direcções. Para que queremos os museus?

Infelizmente pode já ser tarde, pois que afastámos definitivamente as gerações emergentes, destes locais no sense à luz do seu proprio raciocinio. E aquilo que são processos de exploração, que se criam na infância e na adolescência, é já incompativel com o que nos esquecemos de colocar nos museus. Podemos agora lá colocar multimedia, meta informação, interacção e exploração, meios digitais e conteudos complementares ricos. A incompatibilidade já foi criada, e “geração google” já não será recuperada, pois não será entre dois empregos que se reformulam processos de raciocinio e de entendimento do conhecimento. Para estas gerações o esforço é inutil. Pensemos então nas proximas, já que estamos a perder as actuais.

Tive a sorte de poder trabalhar (ainda que indirectamente) com arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha , premio Pritzker em 2006, como consultor para o estudo previo do projecto expositivo do futuro Museu dos Coches em Lisboa.

Apesar de o conhecer, entre outras obras, como autor de uma das mais bem sucedidas experiencias museológicas recentes, ficaria surpreendido com a sua capacidade de entender como as tecnologias digitais podem contribuir, participar, potenciar e complementar um ambiente expositivo. Trata-se do Museu da Lingua Portuguesa em São Paulo, em que aliás  Portugal participou, não certamente com fornecimento de tecnologia expositiva!

Poderia (escrevi eu) ficar surpreendido (por oposição ao que cá se tem feito) com o quanto é obvio e natural, para este extraordinário arquitecto a interacção e integração total entre edificio, tecnologias, exposição, media, conceito expositivo, e museu como um todo funcional. Mas não fico, porque também para mim é obvio…

Ao trabalhar diáriamente com conceitos criativos na àrea multimedia e interactiva, a quantidade de conceitos inovadores que todos os dias naturalmente me surgem e se poderia desenvolver para ambientes expositivos, é gigantesco. Houvesse quem aplicasse 1% deles e teriamos certamente alguns dos mais inovadores museus do mundo… e dos mais cheios de gente participativa. E não excluo a hipotese, de que certamente teriamos também nos museus um dos mais valiosos equipamentos e meios de promoção cultural da população Portuguesa.

O que me surpreende é a pobreza das soluções, do pouco que se tem timidamente tentado, baseado na espectacularidade, tanto como na inutilidade, gratuito e descontextualizado, servindo nenhum propósito que se detecte, ou apenas encher a parede ou a sala em que se instala, espelho perfeito da pobreza do resto do arraial museológico, e que depois aparece noticiado como se fossem grandes realizações tecnológicas… serão, mas à dimensão de quem as fez, sem qualquer intuito depreciativo, nesta afirmação. É que muito mais teria que ser feito para, no minimo, ser util, e não apenas espectacular, pois isso é fácil. Já a utilidade, a propriedade e a adequação é outra conversa. Exige estudo cuidadoso, inventividade, criatividade e conhecimentos multidisciplicnares. E meia duzia de aparelhos multimedia, comprados no supermercado das peças electrónicas, não fazem um salto tecnológico. Só fazem mais rico quem as fabricou, e quem pelo caminho lhes aumentou o preço… e o nome… até serem multimedia interactiva.

É que um mapa, quer esteja em papel, quer esteja num ecrã de plasma… continua a ser um mapa estático. Multimedia, é quando o mapa ganha cores, e sons, zoom, ligações a informação externa, e de cada ponto saltam icons e marcas, voam fotos e se espraiam videos e infografias. E interação é quando é o utilizador que comanda tudo isso, que encaminha, que interage e diz o que quer ver e o que não lhe interessa! Já sei…isso custa dinheiro! Principalmente quando não se sabe o que se quer, e se pede hollywood inteiro metido num cartão SD… depois queixem-se!  Pois digo que é mais barato fazer um mapa multimédia, do que um mapa em papel, para depois lhe tirar uma fotografia para o pôr em plasma (não se riam, que já vi esse processo de…”fabrico”!)… Outra conversa é o preço que o mercado pede. Mas isso é porque, por ignorância se deixa e permite!

E apesar de tudo, em alguns dos novos projectos, principalmente se construídos de raiz, a atitude tem sido a correcta e o multimedia e a interactividade, sob diversas formas (não obrigatoriamente digitais – veja-se o imaginarium), tem sido incluído, mas… nos outros, continua a ser “uma chatice”!

E o certo é que nunca ouvi dizer que atirando dinheiro para cima de um urso, ele passasse a ter carta de condução… também não basta colocar multimedia, é necessário saber para quê…e isso… cada um sabe do que é capaz, e a mais não o podemos obrigar.

E se um museu é já por si uma instituição cara, dificil de manter, dificil de justificar, pior se de repente se lhe põe multimedia, que não se entende bem para que serve. Pior ainda se isso não serve clara e esclarecidamente um propósito efectivo qualquer, seja de promoção cultural, de atracção do público a temas específicos, proporcionando o contacto com realidades e objectos que lhe não são acessiveis de outro modo, proporcionando as ferramentas necessárias para os interpretar e para os contextualizar, e as pistas necessárias para explorar e para lhes dar enquadramento cultural, histórico, tecnico, social, etc., e sem esquecer a função museológica de ao mesmo tempo os preservar para as gerações vindouras. E se no aspecto da conservação, me permito dar o beneficio da duvida…quanto à atracção do público, e ao interesse cultural, educativo e formativo, mas principalmente quanto às ferramentas de interpretação e contextualização não tenho dúvida nenhuma: um museu estático, expositivo apenas, atrai hoje tanto publico quanto um urubu coxo no meio do deserto… e dele se entende tanto quanto se entendia no momento em que se entrou na porta do museu; mas pior ainda que isto, é um urubu coxo, no deserto e carregado de multimedia!

Ao menos que se delicie os olhos, mas nem nisso os nossos museus (com as devidas excepções) são bons!…e no entanto os meios para fazer diferente são, infinitamente mais acessiveis financeira e tecnológicamente, eficazes e efectivos, reprodutivos e formativos, que qualquer investimento em novos edificios, e sem duvida nenhuma que em estádios, aeroportos, expo’s, TGV’s, reformas educativas, pontes, autoestradas e “novas oportunidades”… é que alguém está a falhar o alvo!

E esta alvo falha-se da mesma maneira que um vizinho meu que após concluir a sua nova vivenda, encomendou 12 metros de livros. Nem mais, nem menos. Ah…verdes e vermelhos e meia duzia deles castanhos e pretos, para condizer e fazer conjunto com os cortinados e sofás. Nos poucos casos em Portugal, corremos o risco de que alguém compre 12 metros de multimedia, apenas para actualizar o museu ali da esquina… felizmente podemos ter a sorte de que não venha a acontecer… até porque em Portugal será dificil de encontrar um museu ali naquela esquina. Mas com tudo isto despreza-se e ignora-se as verdadeiras recomendações internacionais e tudo o que o bom senso e a percepção das mudanças profundas na maneira como as novas gerações interpretam o mundo e a comunicação, aconselham.

Também confesso que não gostaria de ir a um museu ver um Rembrandt em desenhos animados. Está certo! Mas preferia mil vezes ver os tais desenhos animados se, ao olhar em volta, não me visse sozinho e isolado numa sala de museu rodeado de obras primas da pintura, de 200 anos de história artistica desaproveitada; e eventualmente terei sido um dos 10 ou 15 visitantes nessa tarde, num país de 10 milhões! Ah…havia jogo de futebol, e deviam lá estar os tais 25.000 adeptos, a encher os lugares construidos à custa do museu em que eu estou sozinho. Claro que se alguém metesse 25.000 no museu, se tinham construido tantos museus como estádios. Mas ia ser mau, porque 25.000 adeptos de futebol num museu, seria como um elefante em loja de porcelanas.

E triste é querer saber mais sobre Rembrandt, e a única resposta que tenho é uma placa na parede, diria ranhosa, o que nem era o caso, com pouco mais que o nome, principalmente se, em casa, posso projectar o mesmo autoretrato na parede, junto com milhares de textos que me descrevem a obra, exploram e referenciam a época, textos criticos, textos biográficos, entrevistas que discutem as correntes de pintura, enfim…   a tudo o que me interessa saber para apreciar a obra. Bom.. resta-me sempre ir à livraria do museu… mas assim sai-me cara a visita, e nem todos levam livros para casa!

…pelo menos se não tiverem a medida certa!

Deixem lá, não faz mal, nem faz falta tirar a medida…tenho internet de banda larga. Da proxima não venho ao museu, fico em casa a consultar a wikipedia.

Uma série de artigos:

 

New-media num museu? – Parte I
New-media num museu? – Parte II
New-media num museu? – Parte III
New-media num museu? – Parte IV
New Media num museu? – Parte V


2 opiniões sobre “New-media num museu? – Parte III

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